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Sobre o Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília

Sobre o Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília

Este Fórum de Entidades em Defesa do Patrimônio Cultural Brasileiro, composto atualmente por 26 entidades nacionais da sociedade civil, manifestou-se em março de 2021 “Por uma política do Patrimônio Cultural no Distrito Federal, por meio de seu Fórum naquela unidade da Federação. Na ocasião, denunciou a inexistência ali de uma política clara de preservação do Patrimônio Cultural, em que falta “vontade política para implementar os instrumentos de planejamento, deliberação e gestão já previstos em lei”, e onde “conselhos estão desativados, órgãos públicos carecem de pessoal e estrutura, planos de gestão – como o Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (PPCUB) – aguardam promulgação”.

O Fórum advogava a criação de um Conselho Gestor do Conjunto Urbano de Brasília, envolvendo instâncias distritais, federais e da sociedade civil, com a representatividade e as competências necessárias à gestão de um sítio inscrito na Lista do Patrimônio Mundial, com “implementação e revisão compartilhadas e acessíveis do PPCUB, por meio de sistematização de consultas e abordagens integradas nos planos arquitetônico, urbanístico e paisagístico”; “unidade política no trato da preservação do patrimônio cultural, eliminando as atuais divisões e conflitos entre Iphan, Secretaria de Cultura e a Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação”; e “ampliação dos espaços de participação comunitária dos diversos agentes e intervenientes na preservação do patrimônio cultural”.

O Governo do Distrito Federal (GDF) retomou a elaboração do PPCUB, agora aberto para consulta pública. Porém, na ausência de um verdadeiro Conselho Gestor do Conjunto Urbano de Brasília que de fato o elaborasse, na ausência de uma verdadeira unidade institucional que o articulasse, insistiu-se na elaboração de um plano conduzido exclusivamente no seio da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação (Seduh). O resultado é a elaboração de um Projeto de Lei Complementar (PLC) híbrido, que mistura elementos de um Plano Diretor de Ordenamento Territorial àqueles que deveriam ser realmente atinentes à preservação de bens culturais inscritos no Conjunto Urbano de Brasília. Tal contradição quanto à definição da matéria resulta num texto eivado de inconsistências conceituais, carente de instrumentos de preservação específicos, que acaba por não prover nosso Patrimônio de uma verdadeira política ativa que inclua sua gestão, sua conservação e seu eventual restauro.

A inclusão da demanda pelo PPCUB na Lei Orgânica do Distrito Federal foi incluída pela emenda n.49 em 2007, atendendo à portaria do Iphan 299/2004, a qual, por sua vez, segue a doutrina internacional de preservação baseada em valores desenvolvida a partir da Carta de Burra (1979). Nos termos da portaria, o Plano de Preservação de Sítio Histórico Urbano deve constituir “um instrumento de caráter normativo, estratégico e operacional, destinado ao desenvolvimento de ações de preservação em sítios urbanos tombados em nível federal, e deve resultar de acordo entre os principais atores públicos e privados, constituindo-se em processo participativo”. O Plano tem a finalidade de: “dotar a instituição de um regime de disciplina urbanística e edilícia compatível com o regime de proteção dos sítios históricos urbanos”; “tornar compreensíveis e explícitos os princípios, critérios e normas de preservação que devem balizar as ações públicas e privadas nos sítios tombados em nível federal”; “criar novos padrões de abordagem para a preservação de sítios históricos urbanos, apoiados no planejamento e gestão urbanos”; “melhorar e intensificar a articulação entre as diversas esferas político-administrativas com competência sobre essas áreas, visando a maior eficácia na gestão do patrimônio cultural urbano”; e “lidar de modo eficaz com o novo papel social, econômico e ambiental atribuído ao patrimônio cultural urbano”.

Um Plano de Preservação deve apoiar-se em outros instrumentos de regulação urbana ao mesmo tempo em que os subsidia, mas não deve confundir-se com os mesmos, uma vez que sua função articuladora, ativa e concreta demanda a proposição de instrumentos e ações reais de gestão, conservação e, se necessário, restauro. Nos termos da mesma portaria, na medida em que promove e compartilha “responsabilidades entre os diversos agentes públicos envolvidos e sua aplicação comum”, o Plano de Preservação deve “promover uma atuação pública concertada” ao “integrar ações propostas com vistas a alcançar um processo de preservação urbana”.

O processo de elaboração da minuta do PPCUB, até aqui, não foi feito com o grau de participação e articulação necessários a produzir tal compartilhamento de responsabilidades. Não basta a realização de audiências, mas uma verdadeira construção participativa desse importante instrumento, por meio do Conselho Gestor sugerido. O papel executivo exclusivo da Seduh no processo acabou por subordinar ao mero ordenamento urbanístico a lógica de preservação de nossos bens culturais múltiplos, que incluem dimensões ambientais, imateriais, arqueológicas, além de forçosamente necessitar de projetos e ações concretas para bens edificados específicos. A ausência desse lastro participativo e diverso por um lado, e ancorado em ações concretas por outro, resulta num texto ainda pouco maduro, com conceitos por vezes vagos. Um exemplo são os termos espaços abertos, espaços livres, área pública, área verde, estrutura verde, sistema de espaços livres que devem ser incluídos no glossário, bem como suas respectivas diferenças. Outros termos problemáticos e sugestões pontuais de melhorias nesse sentido apresentamos em tabela anexa.

Mantidos esses vícios, o PPCUB se ancoraria na atual estrutura e desarticulação administrativa que pouco vem fazendo para a conservação de nossa cidade nos últimos anos. Os edifícios de superquadras, por exemplo, ainda carecem de especificação inequívoca quanto à sua proteção, e justamente nesta semana se realiza a primeira demolição integral de um deles, justamente um exemplar notável da arquitetura brutalista, o bloco “S” da SQS 403. Praticamente a totalidade de nossos equipamentos culturais públicos carece de um plano de conservação que garanta suas boas condições de uso e visitação – inclusive o emblemático caso do Teatro Nacional Cláudio Santoro.

O Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural do Distrito Federal (Condepac-DF), “órgão colegiado deliberativo, consultivo, fiscalizador e normativo, com composição paritária entre o Poder Público e a sociedade civil”, nos termos da Lei Orgânica da Cultura (Lei complementar n.934/2017) foi alijado do processo de formulação do PPCUB. A própria Secretaria de Cultura e Economia Criativa (Secec), à qual se vincula este Conselho, segue sem corpo técnico de fiscalização e execução suficiente às suas imensas tarefas. Se o insulamento burocrático do atual modelo de elaboração do PPCUB excluiu até mesmo outras Secretarias do mesmo GDF, também o fez com o próprio Iphan, que acabou por furtar-se a realizar análise direcionada para autorizar ou aprovar, ou não, este PLC. Parece restar ao Iphan e a outras instâncias de regramento ou curatoriais manter suas normas e modos operacionais em âmbito apartado do Distrital. Naturalmente isso implicará em muitas superposições e conflitos legais em espaços que em tese deve se impor a lei maior, federal por suposto.

Pelo exposto, as entidades reunidas neste Fórum reiteram seu pleito pela criação de uma verdadeira política participativa de preservação do patrimônio cultural do Distrito Federal, incluindo a criação de Conselho Gestor do Conjunto Urbano de Brasília envolvendo instâncias distritais, federais e da sociedade civil, com a representatividade e as competências necessárias à gestão de um sítio inscrito na Lista do Patrimônio Mundial, com unidade política no trato de sua preservação, eliminando as atuais divisões e conflitos entre Iphan, Seduh e Secec, capaz de dar continuidade às ações técnicas ordinárias, com interdisciplinaridade e a devida integração com instituições de pesquisa. Manifestamos ainda que a subordinação do Plano de Preservação ao Plano Diretor de Ordenamento Territorial produzirá documento não apenas tecnicamente insuficiente à preservação, por carecer dos necessários instrumentos propositivos concretos para tanto, como também reforçará o caráter institucional autocrático, burocrático, desarticulado e ineficaz da estrutura institucional que hoje infelizmente vige.

Brasília, 10 de novembro de 2023.

Fórum de Entidades em Defesa do Patrimônio Cultural Brasileiro – Distrito Federal – ABAP – Associação Brasileira de Arquitetos Paisagistas; Docomomo Brasil – Seção Brasileira do Comitê Internacional para a Documentação e Conservação de Edifícios, Sítios e Conjuntos do Movimento Moderno; IAB – Instituto de Arquitetos do Brasil; ICOMOS-BR – Comitê Brasileiro do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios.


Leia o documento em PDF, com anexo:

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